quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Material disponibilizado pelo Frei José Cláudio, que falou hoje na XI Semana de Espiritualidade em BH

Humanismo em Santa Teresa
FREI JOSÉ CLÁUDIO RODRIGUES OCD

Hoje nos nossos dias, em todos os âmbitos culturais se fala de formação humana. Há um modismo e uma tendência que re-propõe de voltar-se para a pessoa para ajudá-la a resgatar sua humanidade, que tem ficado para trás diante de tanto progresso científico e avanços da sociedade dos nossos dias. O mundo das coisas está cada vez mais evoluído, e a cada dia nos surpreende com as suas novidades. Em contrapartida, o ser humano e a sua humanidade com tudo que lhe é peculiar, têm sido esquecidos e deixados de lado. Só nos damos conta da nossa condição humana, quando nos deparamos com os "efeitos colaterais" do mundo atual: depressão, narcisismo, desastres e catástrofes humanas ou situações limites de crise e etc.
De maneira toda particular, o Carmelo através de sua Mãe, santa Teresa de Jesus, já acenava que não basta rezar para ser carmelita, é preciso viver em profundidade as realidades mais simples e corriqueiras da vida. No livro das Fundações (F 5,8) ela nos diz: "não nos desconsolemos quando a obediência nos levar a cuidar de coisas exteriores, compreendei que mesmo na cozinha, entre as panelas, o Senhor vos está ajudando interior e exteriormente"; E em outro trecho (F 5,15) continua: "nas ocasiões, podemos compreender melhor quem somos e até onde vai a nossa virtude. A pessoa que sempre está em isolamento, como saberá se é humilde...".
Desses dois trechos acima citados. Santa Teresa nos diz que a Espiritualidade não é vivida no ar, mas na vida concreta. E aí, no cotidiano, é preciso aprender a relacionar-se e a trabalhar a sua própria humanidade.
Quando as monjas pediram para ela traçar as linhas mestras para a formação das futuras carmelitas, ela não deixou tratados teológicos sobre a oração, mas uma pedagogia exposta no Caminho de Perfeição que enfoca a oração a partir da vida concreta. Nesta obra, ela começa falando de questões bem humanas, tais como: relacionamentos humanos, apegos humanos, questão de prestigio social, doenças (veja-se o ex. das irmãs melancólicas e das irmãs que entravam no convento para não morrer) e etc.
E no cerne de sua pedagogia para formar pessoas espirituais, ela apresenta e resume tudo na vivência das três virtudes magnas: caridade, desapego e humildade, que visa formar pessoas de oração que sejam humanas e humanizadas.
No Carmelo, Santa Madre deixou-nos uma preciosa herança: além de sua vida mística e sua sabedoria nos caminhos do Espírito, se destaca o seu humanismo, onde nos introduz e cheio em alguns problemas bem humanos e que estão em voga em nossos dias. Problemas tais como: auto-estima, experiência de ser amado, ansiedade, anorexia, depressão, etc. Todas essas problemáticas tinham outros nomes e roupagens diferentes no contexto do século XVI. No entanto, dentro de sua experiência de Mãe do Carmelo Teresiano, ela tinha a convicção de que, quanto mais santas e santos fossem seus filhos e filhas, mais humanos deveriam ser. Humanos no sentido pleno de saberem que "a graça pressupõe a natureza", e que esta deve ser bem trabalhada, para que a espiritualidade seja autêntica.
A partir disso, gostaria de acordar alguns temas próprios ao chamado humanismo Teresiano.

1-ALEGRIA

A Alegria é um dos traços da personalidade da santa Madre e da espiritualidade carmelitana. Ela está presente não somente no clima festivo que a santa Madre incutiu nas comunidades: recreações, músicas e etc., mas também na vivência da consagração ao Senhor.
Diante de um mal de seu tempo, que era o problema das irmãs com melancolia, ela dizia a suas prioras: "tristeza e melancolia não quero nas comunidades". E sobre isso ela se deteve bastante no Livro das Fundações, deixando vários avisos às prioras. E vemos em algumas de suas cartas ela desaconselhando algumas prioras de receberem vocacionadas com problemas de melancolia, ou que eram muito tristes e acabrunhadas.
Aliado dessa alegria bem teresiana era o seu bom humor que a fazia rir de tudo. até mesmo das situações adversas. Temos várias provas disso em seus escritos. A alegria era o segredo para viver bem. Ela tinha bom humor até com Deus. Em uma de suas legendas contam que certo dia Santa Teresa caiu enquanto estava limpando a capela. E o seu braço doía muito, pois tinha sido fraturado. Então ela voltou seu olhar para o sacrário e perguntou: "Porque ages assim, Jesus?" E dizem que Ele teria respondido: "Teresa, assim trato aos meus amigos", e voltando-se para Jesus, ela lhe disse: "Por isso que tendes tão poucos amigos..."
Graças ao seu bom humor Teresa conquistava as pessoas, e também sabia enfrentar os problemas mais difíceis. Nos nossos dias as pessoas estão cada vez mais doentes psiquicamente porque não tem tempo para gozar das alegrias simples da vida. A vida se tornou muito séria e "é uma roda viva que não pode parar!". No nosso horizonte, só sobram as alegrias superficiais, enlatadas que são consumidas instantaneamente. Diferente daquela alegria que vivia santa Madre. Para ela, a alegria era o tempero da vida, e não tinha notícia tão séria, nem realidade tão dura, da qual ela não pudesse sorrir ou se expandir com seu tom humorístico peculiar. Por exemplo, no certamen, que era uma espécie de disputa espiritual que ela propôs a seus amigos sobre uma frase que tinha escutado na
oração, não poupou nem a S. João da Cruz, dizendo-lhe que ele só pensava em renúncia e em desapego e que a vida não podia ser só sofrimentos e renúncias!
Esta alegria da qual era testemunha Teresa de Jesus não pode ser produzida, ela é fruto e consequência do sentir-se gratuitamente amada por Deus. Ela é transbordamento do sentir-se amada, até o ponto de sofrer as contrariedades da vida com elegância e com um sorriso largo no rosto, como quem sabe, que é só o amor que dá sentido a tudo, até ao sofrimento e ás coisas aparentemente absurdas.
• Questões para refletir:
- vivo a minha vida com alegria ou sinto-a como uma carga ou um peso que tenho que aturar? - O que me rouba a alegria e o bom humor?

2-AUTO-ESTIMA

Nunca se falou tanto de auto-estima como em nossos dias. As livrarias e escritores na linha da auto-ajuda faturam milhões de dólares ensinando as pessoas a como gostarem de si mesmas.

Podemos comparar a auto-estima, como um cofre cheio de Jóias preciosas. Querer bem a si mesmo e reconhecer-se como dono de um cofre com preciosos tesouros dentro e que nos dão valor pessoal, é a imagem de uma pessoa com auto-estima sadia. No entanto, em nossos dias, isso não é tão simples assim. Pois as pessoas se medem muito pela aparência, pelo que fazem ou pelo que possuem ou não possuem. E isso gera muitas crises de identidade. Pois não se procura o valor pessoal, dentro de si mesmo, mas fora, e nas coisas que nos rodeiam.
A auto-estima faz-nos reconhecer a nossa riqueza pessoal, coloca-nos no justo lugar, nem acima e nem abaixo do que verdadeiramente somos. Algumas pessoas confundem auto-estima com arrogância e ostentação, mas não se trata disto, ela se fundamenta no realismo que nos faz nos expressarmos tais como somos. Reconhece-se a auto-estima numa pessoa, pela segurança e confiança que ela tem em si mesma, pela aceitação de seus limites e capacidades, pelo otimismo realista e por seu contentamento por ser quem é, com seus pontos positivos e negativos.
Certa vez, conta-se que um cavaleiro aproximou-se de santa Teresa e lhe disse: "Madre, me disseram que você é bonita, inteligente e santa. O que você me diz disto?" Teresa contestou: "quanto a ser bonita, se vê; quanto a ser inteligente, nunca me considerei boba; mas quanto a ser santa, o tempo dirá!" Santa Madre mostra aqui todo o realismo de alguém que se conhece a fundo, e a meu ver tal lição não precisa comentários.

- Questões para refletir:
- Como você se define a si mesma?
- Você gosta de ser quem é? Ou se pudesse, mudaria alguma coisa em você?
- Você sabe se enxergar com realismo? Só enxerga os erros? Só enxergar as qualidades?

3- A COMUNICAÇÃO

O nosso mundo é caracterizado como a era da comunicação. Acabaram-se as distâncias e encurtaram-se as fronteiras. Hoje todos podem ter acesso a acontecimentos que se dão no outro lado do mundo em questão de minutos ou até segundos. A internet causou uma grande revolução e nos permite estar "conectados" com as pessoas do outro lado do planeta. No entanto, a mesma internet que une as pessoas esconde as pessoas por trás das máquinas cada vez mais sofisticadas e com recursos de última moda para facilitar a comunicação. Os "bate-papos” que se tornaram moda são impessoais e virtuais, sem envolvimento afetivo e sem um compromisso com a verdade e com o respeito com a dignidade da outra pessoa.
Santa Teresa diz que cresce o amor ao comunicar-nos, e por isso mesmo organizou as suas comunidades como lugar de comunhão e de partilha. Aí, o silêncio e a palavra têm a primazia. A comunicação tem dois interlocutores: Deus e os irmãos e irmãs. E em torno de Deus e dos irmãos e que ela tem as maiores experiências de sua vida.
Teresa era uma mulher comunicativa, que recebeu e transmitia afeto na sua comunicação com as pessoas. Na oração ela se enchia de Deus, e no diálogo com os irmãos e irmãs ela transmitia e testemunhava o amor recebido. E no diálogo pessoal, nas suas cartas e demais escritos vemos sempre sua comunicação como um transbordamento do seu relacionamento com Deus, seu relacionamento geralmente era a três: ela que escrevia. Deus que a iluminava e a ajudava a comunicar-se e seus interlocutores e leitores.
Em nossos dias, nós somos bombardeados com tantas informações que nem temos tempo de digeri-las e muito menos de comunicá-las aos irmãos. Ou então, somos comunicadores de "mensagens sem alma", sem afetividade, sem assimilação pessoal. E nos tornamos simples repassadores de informações sem conteúdo afetivo e pessoal. A verdade, é que convivemos atualmente com maravilhas em termos de comunicação, mas também com a mais aterradora e mais
dura experiência de solidão humana e de isolamento no meio das grandes cidades. Todos querem receber, mas ninguém se prontifica a dar, a escutar. Por isso mesmo é que hoje estamos na era do "ouvir" e do falar muito e do escutar pouco. Para ouvir, eu não preciso estar presente, está voltado para o outro, no ato de ouvir. O outro fala, mas eu fico no meu mundo e “desconecto as antenas do que ele diz" Como diz o povo: “o que ele diz, entra aqui e sai ali", sem me tocar. Já o escutar, exige atenção, o estar atento ao que o outro está falando. Exige a "empatia" = "sentir o outro por dentro".
E esta sensibilidade nasce da vida de oração.

Questões para refletir:

- Que importância tem o partilhar minhas coisas com os irmãos?
- tenho alguém com quem eu partilho os meus sentimentos e as minhas vivências mais íntimas?
-O que revela de meu interior as cartas que escrevo e as coisas que falo no dia-a-dia?

CORDIALIDADE

O coração é o centro da pessoa. E o coração de Teresa de Jesus era um coração com janelas abertas onde os que entravam em contato com ela, podiam descobrir os seus tesouros.
Segundo algumas pessoas que conviveram com ela: "A Madre Teresa tinha uma formosa condição, tão aprazível e agradável que todos os que tratavam com ela, se sentiam atraídos por ela, a amavam e a estimavam muito, e ela não gostava dos modos ásperos e desagradáveis que tinham alguns santos, que faziam com que eles mesmos e a santidade, fosse algo desagradável" (Padre Gracián)
Nas suas amizades ela procurava fazer os outros felizes e alegrá-los. Seu modo de comunicação era cheio de afabilidade e de interesse por todos com quem se relacionava.
Em nossos dias, vemos que as pessoas se relacionam com os outros, preocupadas com o que vão receber, e por conta disso, não se doam. No Caminho de Perfeição, Santa Teresa deixou como regra de ouro para suas filhas este conselho: "tanto quanto puderdes, sem ofensa a Deus procurai ser afáveis e agir de tal maneira com as pessoas com quem tratardes que elas apreciem a vossa conversa e desejem o vosso modo de viver e tratar..." (Caminho 41,7)

Questões para refletir:

- Como é seu relacionamento com as pessoas?
- Você procura ser afável com as pessoas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário